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Chefe do Departamento de Infectologia da UNESP fala sobre a COVID-19 e Resistência antibacteriana

Dr. Alexandre Naime Barbosa é médico infectologista e consultor para COVID-19 da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Associação Médica Brasileira. Atua como Chefe do Departamento de Infectologia da Faculdade de Medicina da UNESP de Botucatu.

  • Quais os principais desafios enfrentados pelo segmento de Infectologia quando a pandemia da COVID-19 assolou o Brasil em março de 2020?

Quando a pandemia chegou, nosso principal desafio era a falta de referência científica. Não havia literatura médica disponível, contávamos com apenas alguns trabalhos publicados na China e sabíamos apenas que se tratava de um vírus e uma doença novos. Não conhecíamos o espectro clínico de doenças que o paciente poderia desenvolver e, além disso, os testes diagnósticos não estavam amplamente disponíveis, com somente alguns institutos de pesquisas, instituições públicas e privadas contando com a detecção do RT-PCR por swab. Dessa forma, os dois principais desafios foram a falta de conhecimento da doença como um todo e falta de diagnóstico laboratorial acessível.

  • Com o aumento de vacinados pela segunda dose, muitas pessoas estão deixando de ter a prevenção correta, acreditando ter plena imunidade contra a COVID-19. Quais são suas recomendações frente ao relaxamento de algumas prevenções pela população?

Nós sabemos que o indivíduo vacinado com as duas doses e, principalmente, aquele que possui a dose de reforço (que deve ser tomada após cinco meses da segunda dose) tem um risco muito menor de desenvolver a forma grave da COVID-19 e até mesmo de vir a óbito. Mas ele não está completamente imune em relação a ter quadros leves e ser vetor de transmissão. Visto que estamos com uma taxa de transmissão que ainda preocupa, é necessário, em ambientes fechados, que as pessoas mantenham o uso de máscara e evitem aglomerações, com distanciamento de 1,5m a 2m. Devemos fazer nossa parte, para que em conjunto com a vacina, haja a diminuição de transmissão do vírus.

  • Em novembro, tivemos a semana mundial da conscientização do uso de antibióticos. Com o uso indiscriminado desses medicamentos durante a pandemia, como você visualiza o impacto disso na população?

A pandemia trouxe um problema sério em relação a resistência antimicrobiana. Antibióticos são indicados para infecções bacterianas somente. Muitos pacientes utilizaram Azitromicina para tratar a COVID-19, no qual seu uso não é indicado. Isso aconteceu de forma alarmante em ambiente hospitalar: pacientes com casos de pneumonia viral, que eram para estar sendo tratados com corticoides e oxigênio, receberam antibióticos sem nenhuma necessidade ou diagnóstico que comprovasse se tratar de uma pneumonia bacteriana. Já na UTI, por causa de uma internação prolongada, pacientes foram submetidos à ventilação mecânica, o que lhes deixavam mais suscetíveis a adquirir alguma infecção bacteriana. Então, de modo geral, a pandemia da COVID-19 piorou bastante o cenário.

  • Diante desse cenário, como você recomenda que os hospitais devem agir para evitar problemas relacionados à resistência antimicrobiana?

Na recomendação, existem dois pilares. O primeiro é o uso racional de antimicrobiano. Para cada situação clínica em que os antibióticos são indicados, deve haver protocolos bem assertivos em relação ao diagnóstico dessa administração clínica, de cada sítio, seja pneumonia, infecção de centro cirúrgico, infecção urinária, infecção de pele infecção de tecidos moles e outras síndromes infecciosas. Protocolos bem definidos devem ser utilizados para o uso racional de antibióticos. O outro pilar é que todo serviço de saúde deve contar com uma comissão de controle de infecção, e essa comissão vai agir de forma a observar as taxas de infecção em cada unidade, discutir as questões de prevenção de infecções bacterianas e infecções em geral.

  • O que podemos esperar do ano de 2022, em relação à termos epidemiológicos?

Impossível predizer com assertividade o que acontecerá no ano seguinte. Porém, o que se pode dizer é que países com alta taxa de vacinação, onde as pessoas já tomaram as doses de reforço, há uma proteção muito grande em relação ao desenvolvimento de novas ondas. Países com alta taxa de vacinação vão estar bem protegidos de aumentos de internação e ondas de óbitos. Países mais pobres muito provavelmente vão sofrer maiores impactos em relação a internação e óbitos, um verdadeiro apartheid em relação a distribuição de vacinas. Também, por conta da baixa de vacinação, esses países podem ser celeiros de surgimento de variantes de atenção, de vírus multirresistentes, como o exemplo recente do surgimento da Ômicron no Sul da África.

Fonte: GlobalMedReport